Ser adulto não é brincadeira

Recentemente, com o atropelamento da minha mãe, tenho pensado muito na vida e no que é esperado de nós. Lembro que, numa conversa com um amigo durante a época da faculdade, desvendamos uma certa verdade que, com o tempo, vem se comprovando: não há um momento em que alguém se torna um adulto, da noite pro dia; somos crianças que foram crescendo enquanto as exigências foram aumentando.
Com sorte, conseguimos amadurecer e conquistar a facilidade pra resolver umas ou tantas coisas; pra outras, a vontade real é de sair correndo. Como diz a cartunista Sarah Andersen no título de seu livro de quadrinhos sobre o dia a dia de quem tenta ser gente grande: “Ninguém vira adulto de verdade.”
(E, dia desses, minha irmã mais velha virou pra mim enquanto descíamos a rua e me perguntou: “Cê já pensou que a gente nunca mais vai voltar a ter aquela vida, de adolescente?” É só no que tenho pensado, respondi, nós dois rindo para não chorar.)
Nessas horas, me vem à mente o final de um filme e de um livro que dialogam muito entre si, embora um não seja baseado no outro.
O livro, eu li quase 15 anos atrás e nunca esqueci da maneira como ele acaba. É a história de um grupo de crianças, de uma escola para garotos, cujo avião cai numa ilha, com todos os adultos morrendo no desastre — só os meninos sobrevivem. Eles precisam reinventar suas vidas nessa ilha deserta e paradisíaca que em breve se tornará seu maior inferno. Chama-se O Senhor das Moscas, do autor William Golding.
Já o filme é Projeto Flórida, e seu final é uma referência clara a O Senhor das Moscas. A trama conta a história de uma garotinha que mora num hotel decadente nos Estados Unidos com a mãe, mãe esta que, para poder pagar o aluguel do quarto em que dormem, se prostitui se precisar, enquanto a menininha brinca e corre pelos corredores com outras crianças não supervisionadas, se metendo em confusões, às vezes sérias, sem uma figura que lhe dê suporte ou orientação sólida durante seu turbulento momento de crescimento — por mais que uma criança não enxergue isso assim, com tanta lucidez.
No final (perdoe-me o spoiler, vai valer a pena), os protagonistas de O Senhor das Moscas e a protagonista de Projeto Flórida, correndo esbaforidos de um perigo maior, no auge de seu desespero, e tendo até aqui suportado tantas intempéries sozinhos e sem derramar uma só lágrima, se deparam enfim com a figura de um adulto que poderá livrá-los daquele pesadelo — e, nessa hora, eles caem no choro.
Faço um paralelo entre essas cenas finais e a vida adulta. Ser adulto é, muitas vezes, ser deixado por conta própria, sozinho, fazendo coisas que “um adulto” deveria estar fazendo por você — mas o adulto é você. Porém, continuamos talvez à espera, secretamente que seja, da figura do “verdadeiro adulto” que virá resolver toda essa bagunça, para que enfim a gente possa desabar e chorar como a verdadeira criança que é.
A gente vai se acostumando. Mas, entre abdicações, limitações, pressões e responsabilidades, ser adulto não é brincadeira.
P.S.:
Projeto Flórida (2017) está disponível na plataforma Max.
O livro O Senhor das Moscas (1954) deu ao seu autor o Prêmio Nobel de Literatura no 1983 e tem uma das melhores adaptações para o cinema que já vi, de 1990, disponível de graça no YouTube.
Ninguém vira adulto de verdade tem tirinhas divertidíssimas com as quais é impossível não se identificar uma hora ou outra. Aqui vão só cinco, mas dá uma jogada no Google Imagens pra você ver mais.